domingo, 13 de agosto de 2017

A importância do museu como espaço de reconstrução da História

A importância dos museus como espaço de reconstrução da História


Os museus, na sua origem, tinham por objetivo conservar, restaurar e expor objetos e espaços sociais que foram organizados dentro de uma determinada sociedade. No Brasil, os Museus Históricos e Artísticos se inspiraram no modelo europeu, consequentemente, suas ideias envolvem uma determinada reiteração de interpretações pré-estabelecidas e que arbitram um entendimento de legitimação do poder. 
Segundo o Estatuto do Comitê o Conselho Internacional de Museus (ICOM), artigo 6º, o museu é definido como uma instituição permanente, sem finalidade lucrativa, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento, é uma instituição aberta ao público, que adquire, conserva, pesquisa, comunica e exibe evidências materiais do homem e de seu ambiente, para fins de pesquisa, educação e lazer.
Os objetos e peças que estão expostos nos museus estão ali para serem olhados, admirados e, sobretudo, compreendidos, pois de certa forma, mesmo gerando certa generalização e uniformidade, escondem em seus espaços contradições sociais. Para Canclini (1997), os museus não podem ser vistos apenas de forma apreciativa, e muito menos direcionados a especialistas, como arqueólogos e museólogos.
Sendo assim, destacamos elementos de nossa experiência docente englobando tanto o planejamento das aulas quanto a prática e as avaliações, tendo o museu como uma nova linguagem no caminhar em direção à educação histórica.
A experiência apresentada pertence à minha trajetória como docente, e ocorreu no ano de 2010. Teve como sujeitos os alunos do 2º ano do ensino médio, da turma 201, do Liceu Maranhense, e como local de visitação, o Museu Histórico e Artístico do Maranhão . Entre os objetivos, estavam: investigar qual sentido histórico os alunos tinham sobre museu; analisar as relações discentes entre os espaços e peças do museu e o conteúdo ministrado em sala de aula; e discutir através de um questionário e de uma intervenção a sociedade e economia do período monárquico brasileiro. Como princípio, orientei-me pela premissa de considerar o aluno como protagonista de sua aprendizagem, a partir da mediação do professor ou de seus “pares”, pois segundo utilizando nesse sentido metodologias e um planejamento que viabilizasse tal processo.
Segundo Vygotsky (1998) a zona de desenvolvimento proximal, que é associado a zona de desenvolvimento potencial   onde o sujeito mais experiente exercem papel importante na mediação da aprendizagem concepção de que o par menos experiente necessariamente aprende com  interação.
O planejamento se deu a partir dos tópicos conteúdo, metodologia, recursos e avaliação, resumidos a seguir: conteúdo - sociedade e economia no período monárquico brasileiro; metodologia - visitação ao museu e debate sobre a visitação, relacionando-a ao conteúdo ministrado em sala de aula; recursos - peças e objetos do museu; avaliação – questionário e debate. Optamos pela análise das respostas produzidas pelos alunos no questionário aplicado, que foi respondido em dupla ou trio, conforme a disposição da quantidade de alunos em sala de aula e sobretudo com o intuito de haver a socialização entre os pares,  houve também a intervenção feita em sala de aula.
Assim, partimos para uma avaliação diagnóstica ou do contato com os conhecimentos prévios dos alunos. Para o diagnóstico, elaborei as seguintes questões: 1º) O que sabiam sobre museus? 2º) Já haviam visitado algum?  3º) O que sabiam sobre os objetos e espaços físicos de um museu?
Tendo essas respostas prévias possibilitei o planejamento do questionário que teve as seguintes perguntas: 1º)Qual importância dos museus?2º) Relacione os espaços físicos e as peças expostas no museu com a sociedade brasileira do século XIX.; 3º) Qual é a posição do negro africano na perspectiva dos espaços físicos visitados?;4º) Qual a posição da mulher na perspectiva dos espaços físicos visitados?
A relação entre escola e museu caracteriza-se principalmente, na sociedade contemporânea, como forma social que amplia as capacidades humanas, para que se reconheça que, nos museus, os significados são produzidos pela construção de forma de poder, experiências e identidades que precisam ser analisadas em seu sentido político-cultural.
O professor, ao optar pela visita a museus como método de ensino, deve estar atento a alguns aspectos que antecedem esse trabalho, como o planejamento, a definição de metodologias, e a utilização de conceitos-chaves (teóricos), como poder, memória, Estado e ideologia.
O Museu Histórico e Artístico do Maranhão (MHAM), em fins do século XVIII e início do XIX, surge para atender aos novos padrões de sociabilidade e de comportamento doméstico, mediado pelo caráter ideológico da “Belle Époque”, época de ímpeto e vanguarda. O MHAM reflete padrões europeus que influenciaram a construção de nossa identidade nesse período. Consubstancia a preocupação com a intimidade e com a privacidade, traduzindo esses aspectos em objetos cotidianos e usos dos espaços formais, que envolvem o espaço doméstico das famílias, de suas moradias e de suas construções arquitetônicas.
Nesse sentido, museus são espaços físicos que refletem aspectos coloniais, monárquicos ou republicanos, contrastando/convivendo com o hibridismo de etnias, percebidas em suas peças de culinária, louças, adornos, bijuterias, roupas, meios de transportes, dentre outros.
Assim, segundo Schmidt e Cainelli (2004), uma nova concepção de trabalho com o museu implica a desconstrução de determinadas imagens canonizadas a respeito do passado, como seu caráter etnocêntrico, ajudando a tirar o aluno de sua passividade e reduzindo a distância de sua experiência e seu mundo, com relação a outros mundos e outras experiências, descritas no discurso didático.
No caso em questão, cujo mundo/experiência era o Segundo Reinado, sua sociedade, economia, politica e religião, o primeiro procedimento foi fornecer aos alunos a dimensão estrutural da sociedade brasileira do século XIX, tratando sobre seus atores e forças político-econômicas que dela faziam parte, buscando a desconstrução de verdade velada pelo espaço museológico. O intuito era proporcionar aos estudantes ligações históricas de maneira que pudessem compreender a História como um processo e não como um conjunto de fatos isolados.
À luz de nossa visita ao MHAM, alguns alunos contribuíram com suas respostas na 2º pergunta do questionário e, posteriormente, com as intervenções em sala de aula.
Na sala, os homens da casa costumavam receber suas visitas e tratar de seus assuntos. Nela ficava um objeto de uso masculino chamado escarradeira, na qual cuspiam o fumo que mascavam. A sala de jantar era composta de uma mesa grande e muitas cadeiras, o que representava que as mulheres tinham muitos filhos. O sótão era o local onde os doentes eram colocados. Sala de atividades do lar, onde as meninas aprendiam os afazeres do lar (Brenna F. e Camila M. Turma 201).

A partir da observação dos alunos, enfatizamos as respostas da 2º questão do questionário aplicado após a visitação ao museu com o objetivo de analisar os diferentes pontos de vista sobre os espaços físicos do museu, com um debate bem interessante que proporcionou a reflexão sobre as permanências e rupturas com a nossa sociedade.
Trabalhamos em sala de aula questões como: saúde - a tuberculose era tratada como caso de doença endêmica no período do século XIX-XX; o fumo - hábito indígena, utilizado como mercadoria trocada por pessoas, na condição de escravos; o casamento - questões de gênero, sexualidade e suas relações com as normas ditadas pela Igreja Católica[1].
Outras respostas apontam para as relações construídas entre o universo social do período histórico e o atual,
O quarto da filha ficava próximo ao quarto dos pais, para que esse pudesse vigiá-la. O quarto do rapaz ao contrario, era isolado e, servia como quarto de hospedes, pois o rapaz estudava fora e raramente estava presente (Ângela Rodrigues, Bruna Moura, Fabíola Frazão Martins Turma 201).
Desta forma, a conexão entre passado e presente, a partir do recorte histórico, possibilitou questionamentos e problematizações. Entendemos que os processos ocorridos no passado culminaram em questões postas ainda no presente, pois segundo Rusen (2001, p.66), “o passado só vem falar quando é questionado”, esse é o sentido da Consciência Histórica.
Assim, evitamos com o uso das novas linguagens a mera transposição didática do conhecimento acadêmico para a sala de aula, e contemplamos a Consciência Histórica. Colocamos o aluno como um sujeito ativo no processo de aprendizagem, tendo um olhar crítico sobre o conteúdo e as fontes materiais, questionando os modelos sociais vigentes,  desconstruindo documentos e narrativas oficiais, presentes no espaço museológico.
MHAMA
Outro ponto explorado foi o papel do negro na sociedade maranhense. No MHAM, transparece um sujeito sem identidade, sem resistência a escravidão, um objeto que pode ser separado e visto isoladamente em outro museu: Cafua das Mercês[2]. Assim, como exemplo, foi feita a seguinte consideração sobre o negro/escravo:
Duas salas de visitas, sala de música, alcova, quarto de casal, escritório, porão, poço. O porão lugar onde ficava os escravos. Espaços destinados à família e os seus escravos (Adrielly, Ana Paula Costa, Erica Soares e Tássia Brandão. Turma 201).
Aqui nessa resposta podemos trabalhar as relações sociais a partir de uma sociedade escravagista e descontruir a ideia de um escravo africano passivo a tal sociedade reconstruindo a história de nossos ancestrais como agentes históricos e participante ativo de uma sociedade, capaz não só de resistir ao sistema imposto, mas também de negociar sua vivência dentro dele, não sendo mais “predisposto” ao cativeiro, comparado ao nativo, mas dando explicações reais relacionadas às suas semelhanças a herança cultural com tradições europeias, que o valorizavam na economia mercantilista.
A visita ao MHAM, associada ao ensino da história local, proporciona ao aluno a sua inserção na comunidade da qual faz parte, criando sua própria historicidade e identidade, possibilitando analisar as relações de poder construídas dentro das próprias relações sociais, de modo a favorecer as particularidades.
Ao se trabalhar com a linguagem museológica no ensino de História, se desperta mais a atenção dos alunos, pois estas ferramentas dinamizam o processo de construção do conhecimento histórico, fazendo que tanto os alunos como o professor dialoguem, sobre o objeto de estudo, no caso a fonte histórica museal.
Nessa perspectiva, a relação entre museu, escola e História parte da concepção de que se faz necessário que a investigação, a restauração e a reconstrução da História e da cultura “guardada” no mesmo, não tenham por finalidade central, de acordo com Canclini (1997), almejar a autencidade ou restabelecê-la, mas reconstruir a verossimilhança histórica e estabelecer bases comuns para uma reelaboração, de acordo com as necessidades do presente.
Questões como sociedade patriarcal, escravidão, mulher, sexualidade, cultura, educação, saúde, etc., podem ser tratadas e trabalhadas de forma inovadora, a partir de uma visita ao museu. Trabalhar os questionamentos dos alunos do Centro de Ensino Liceu Maranhense, acerca de suas interpretações sobre casamento, comportamentos sociais, mulher, escravidão, sexualidade, dentre outros, passa pela apropriação do historiador diante das metodologias e reinterpretações que a Nova História pontua.
Para Ângela Rodrigues, Bruna Moura, Fabíola Frazão (1º questão), alunas do Centro de Ensino Liceu Maranhense turno matutino turma 201, a importância do museu é dar acesso à história passada para as novas gerações, o que é importante, pois as mudanças bruscas de cultura causadas pela globalização podem gerar uma grande perda de conhecimentos, costumes e tradições.
Percebemos nas respostas das alunas e na prática pedagógica aqui apresentada questões relevantes sobre os elementos que organizam a base da subjetividade e da experiência do aluno, forma de construir a identidade social na dimensão histórica a partir do conhecimento do papel do indivíduo como sujeito histórico, produtor do conhecimento e protagonista. Reconhece-se, assim, a importância do patrimônio cultural como aspecto fundamental para a análise e reflexão sobre a pluralidade cultural brasileira e maranhense, nas matrizes nacional, regional e local.
Dessa forma, mediar o senso crítico, o pensamento de observação e de pesquisa, a imaginação, a capacidade de relacionar e classificar, a leitura e a análise de textos e de imagens (novas linguagens) são procedimentos que contribuem para a aprendizagem extracurricular e, sobretudo, para a construção da consciência histórica.
A visitação a museus, mediada pelo professor, segundo Cainelli (2004), pode dinamizar as aulas, tornando-as mais vivas, interessantes e vinculadas com a realidade atual. A visita ao MHAM procurou relacionar discussões teóricas e metodológicas e a análise das fontes, ou dos relatos dos visitantes, em sala de aula. Contribuiu, nesse sentido, para uma Educação Histórica centrada na produção de conhecimentos, e que rompe com as ideias de representação e recepção da cultura. A construção de uma crítica pelo próprio aluno e a sua aproximação com o contexto histórico abordado, em um processo de desenvolvimento da Consciência Histórica.
Por fim, cabe lembrar que o museu é espaço democrático e de construção de conhecimento. No entanto, o seu surgimento é atrelado, segundo Canclini (1997), ao patrimônio, sede cerimonial, o lugar onde é guardada uma história, onde se reproduz uma sociedade em que os grupos hegemônicos se organizaram, e vivenciaram uma determinada época, sobretudo passível de reinterpretações. Para o ensino de História nos dias atuais, é uma ferramenta importantíssima, que proporciona visibilidade ao saber histórico, e a possibilidade de valorização da diversidade cultural no contexto escolar, com um pluralismo que dialogue com as novas linguagens contemporâneas.
Assim, entendemos que essa experiência pedagógica se insere nas práticas docentes relacionadas à diversidade cultural e, nesse sentido, constitui um aspecto importante no processo de ensino-aprendizagem no âmbito da História. Segundo os PCNs História (BRASIL,1999, p. 14), a escola tem a possibilidade de trabalhar a questão da diversidade cultural e das novas linguagens. Uma pesquisa de campo dessa natureza concretiza essa possibilidade de forma que os alunos compreendam que o tema tratado está entrelaçado também com o contexto histórico, sendo o museu um espaço sociocultural responsável pela construção e reconstrução do conhecimento e da cultura.




[1] As relações de casamento, no Brasil durante o século XIX, representaram um sistema baseado na regulamentação da ordem social e política, de função procriadora, de relações de apadrinhamento, de atos permitidos ou proibidos, e modelo austero de espaço sexual ao tempo (dias santos, domingos, quaresma, gravidez, menstruação, etc.) (VAINFAS, 1992).

[2] Localizado no bairro da Praia Grande, é um espaço cultural destinado a preservação da memória afro no Maranhão. Neste espaço museológico encontram-se instrumentos do período da escravidão, objetos da cultura afro-maranhense, sobretudo do tambor-de-mina (indumentária, acessórios de indumentária e instrumentos musicais utilizados nos rituais religiosos da Casa das Minas, Casa de Nagô e outros terreiros do Maranhão), e uma valiosa coleção de arte africana proveniente de diversas regiões e etnia da África, a exemplo de grupos culturais como Bambara, Dogon, Senufo e outros.                   REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos. Brasília: MEC/SEF, 1997.

CANCLINNI,Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade  São Paulo Editora EDUSP 1997.

HALL, Stuart. Identidade cultural na pós-modernidade. São Paulo: DP&, 2007.

MORAN, Jose Manoel.  A educação que desejamos: novos desafios para chegar lá. São Paulo: Papirus, 2008.

SCHIMIDT, Maria Auxiliadora; CAINELLI, Marlene. Ensinar História. São Paulo: Scipione, 2004.

VAINFAS, Ronaldo.  Trópico dos Pecados: moral sexualidade e inquisição no Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

GIROUX, Henry. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem. Tradução de Daniel Bueno. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

PERRENOUD, Philippe. 10 novas competências para ensinar.  Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.

SILVA, Tomaz Tadeu da. Documento de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.


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