A importância dos museus como espaço de reconstrução da
História
Os museus, na sua origem, tinham
por objetivo conservar, restaurar e expor objetos e espaços sociais que foram
organizados dentro de uma determinada sociedade. No Brasil, os Museus Históricos
e Artísticos se inspiraram no modelo europeu, consequentemente, suas ideias
envolvem uma determinada reiteração de interpretações pré-estabelecidas e que
arbitram um entendimento de legitimação do poder.
Segundo o Estatuto do Comitê o Conselho Internacional de Museus (ICOM),
artigo 6º, o museu é definido como uma instituição permanente, sem finalidade
lucrativa, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento, é uma instituição
aberta ao público, que adquire, conserva, pesquisa, comunica e exibe evidências
materiais do homem e de seu ambiente, para fins de pesquisa, educação e lazer.
Os objetos e peças que
estão expostos nos museus estão ali para serem olhados, admirados e, sobretudo,
compreendidos, pois de certa forma, mesmo gerando certa generalização e
uniformidade, escondem em seus espaços contradições sociais. Para Canclini
(1997), os museus não podem ser vistos apenas de forma apreciativa, e muito
menos direcionados a especialistas, como arqueólogos e museólogos.
Sendo assim, destacamos
elementos de nossa experiência docente englobando tanto o planejamento das
aulas quanto a prática e as avaliações, tendo o museu como uma nova linguagem no
caminhar em direção à educação histórica.
A experiência apresentada
pertence à minha trajetória como docente, e ocorreu no ano de 2010. Teve como
sujeitos os alunos do 2º ano do ensino médio, da turma 201, do Liceu Maranhense,
e como local de visitação, o
Museu Histórico e Artístico do Maranhão . Entre os objetivos, estavam: investigar
qual sentido histórico os alunos tinham sobre museu; analisar as relações
discentes entre os espaços e peças do museu e o conteúdo ministrado em sala de
aula; e discutir através de um questionário e de uma intervenção a sociedade e
economia do período monárquico brasileiro. Como princípio, orientei-me pela premissa de considerar o
aluno como protagonista de sua aprendizagem, a partir da mediação do professor
ou de seus “pares”, pois segundo utilizando nesse sentido metodologias e um
planejamento que viabilizasse tal processo.
Segundo Vygotsky (1998) a zona de desenvolvimento
proximal, que é associado a zona de desenvolvimento potencial onde o sujeito mais experiente exercem papel importante na
mediação da aprendizagem concepção de que o par menos experiente necessariamente
aprende com interação.
O planejamento se deu a
partir dos tópicos conteúdo, metodologia, recursos e avaliação, resumidos a
seguir: conteúdo - sociedade e economia no período monárquico brasileiro; metodologia
- visitação ao museu e debate sobre a visitação, relacionando-a ao conteúdo
ministrado em sala de aula; recursos - peças e objetos do museu; avaliação –
questionário e debate. Optamos pela análise das respostas produzidas pelos
alunos no questionário aplicado, que foi respondido em dupla ou trio, conforme
a disposição da quantidade de alunos em sala de aula e sobretudo com o intuito
de haver a socialização entre os pares,
houve também a intervenção feita em sala de aula.
Assim, partimos para uma
avaliação diagnóstica ou do contato com os conhecimentos prévios dos alunos.
Para o diagnóstico, elaborei as seguintes questões: 1º) O que sabiam sobre
museus? 2º) Já haviam visitado algum?
3º) O que sabiam sobre os objetos e espaços físicos de um museu?
Tendo essas respostas prévias
possibilitei o planejamento do questionário que teve as seguintes perguntas: 1º)Qual
importância dos museus?2º) Relacione os espaços físicos e as peças expostas no
museu com a sociedade brasileira do século XIX.; 3º) Qual é a posição do negro
africano na perspectiva dos espaços físicos visitados?;4º) Qual a posição da
mulher na perspectiva dos espaços físicos visitados?
A relação entre escola e
museu caracteriza-se principalmente, na sociedade contemporânea, como forma
social que amplia as capacidades humanas, para que se reconheça que, nos museus,
os significados são produzidos pela construção de forma de poder, experiências
e identidades que precisam ser analisadas em seu sentido político-cultural.
O professor, ao optar pela visita a museus como método
de ensino, deve estar atento a alguns aspectos que antecedem esse trabalho, como
o planejamento, a definição de metodologias, e a utilização de conceitos-chaves
(teóricos), como poder, memória, Estado e ideologia.
O Museu Histórico e Artístico do Maranhão (MHAM),
em fins do século XVIII e início do XIX, surge para atender aos novos padrões
de sociabilidade e de comportamento doméstico, mediado pelo caráter ideológico
da “Belle Époque”, época de ímpeto e vanguarda. O MHAM reflete padrões europeus
que influenciaram a construção de nossa identidade nesse período. Consubstancia
a preocupação com a intimidade e com a privacidade, traduzindo esses aspectos
em objetos cotidianos e usos dos espaços formais, que envolvem o espaço
doméstico das famílias, de suas moradias e de suas construções arquitetônicas.
Nesse sentido, museus são espaços
físicos que refletem aspectos coloniais, monárquicos ou republicanos,
contrastando/convivendo com o hibridismo de etnias, percebidas em suas peças de
culinária, louças, adornos, bijuterias, roupas, meios de transportes, dentre
outros.
Assim, segundo Schmidt e
Cainelli (2004), uma nova concepção de trabalho com o museu implica a
desconstrução de determinadas imagens canonizadas a respeito do passado, como
seu caráter etnocêntrico, ajudando a tirar o aluno de sua passividade e
reduzindo a distância de sua experiência e seu mundo, com relação a outros
mundos e outras experiências, descritas no discurso didático.
No caso em questão, cujo
mundo/experiência era o Segundo Reinado, sua sociedade, economia, politica e
religião, o primeiro procedimento foi fornecer aos alunos a dimensão estrutural
da sociedade brasileira do século XIX, tratando sobre seus atores e forças político-econômicas
que dela faziam parte, buscando a desconstrução de verdade velada pelo espaço
museológico. O intuito era proporcionar aos estudantes ligações históricas de
maneira que pudessem compreender a História como um processo e não como um conjunto
de fatos isolados.
À luz de nossa visita ao
MHAM, alguns alunos contribuíram com suas respostas na 2º pergunta do questionário
e, posteriormente, com as intervenções em sala de aula.
Na sala, os homens da casa costumavam
receber suas visitas e tratar de seus assuntos. Nela ficava um objeto de uso
masculino chamado escarradeira, na qual cuspiam o fumo que mascavam. A sala de
jantar era composta de uma mesa grande e muitas cadeiras, o que representava
que as mulheres tinham muitos filhos. O sótão era o local onde os doentes eram
colocados. Sala de atividades do lar, onde as meninas aprendiam os afazeres do
lar (Brenna F. e Camila M. Turma 201).
A partir da observação dos
alunos, enfatizamos as respostas da 2º questão do questionário aplicado após a
visitação ao museu com o objetivo de analisar os diferentes pontos de vista
sobre os espaços físicos do museu, com um debate bem interessante que
proporcionou a reflexão sobre as permanências e rupturas com a nossa sociedade.
Trabalhamos em sala de aula
questões como: saúde - a tuberculose era tratada como caso de doença endêmica
no período do século XIX-XX; o fumo - hábito indígena, utilizado como
mercadoria trocada por pessoas, na condição de escravos; o casamento - questões
de gênero, sexualidade e suas relações com as normas ditadas pela Igreja
Católica[1].
Outras respostas apontam para as
relações construídas entre o universo social do período histórico e o atual,
O quarto da filha ficava próximo ao quarto dos pais, para que esse
pudesse vigiá-la. O quarto do rapaz ao contrario, era isolado e, servia como
quarto de hospedes, pois o rapaz estudava fora e raramente estava presente (Ângela
Rodrigues, Bruna Moura, Fabíola Frazão Martins Turma 201).
Desta forma, a conexão entre passado e presente, a
partir do recorte histórico, possibilitou questionamentos e problematizações. Entendemos
que os processos ocorridos no passado culminaram em questões postas ainda no presente,
pois segundo Rusen (2001, p.66), “o passado só vem falar quando é questionado”,
esse é o sentido da Consciência Histórica.
Assim, evitamos com o uso das novas linguagens a
mera transposição didática do conhecimento acadêmico para a sala de aula, e
contemplamos a Consciência Histórica. Colocamos o aluno como um sujeito ativo
no processo de aprendizagem, tendo um olhar crítico sobre o conteúdo e as
fontes materiais, questionando os modelos sociais vigentes, desconstruindo documentos e narrativas oficiais,
presentes no espaço museológico.
MHAMA
Outro ponto explorado foi o papel do negro na sociedade maranhense.
No MHAM, transparece um sujeito sem identidade, sem resistência a escravidão, um
objeto que pode ser separado e visto isoladamente em outro museu: Cafua das
Mercês[2]. Assim, como exemplo, foi feita
a seguinte consideração sobre o negro/escravo:
Duas salas de visitas, sala de música, alcova, quarto de casal,
escritório, porão, poço. O porão lugar onde
ficava os escravos. Espaços destinados à
família e os seus escravos (Adrielly, Ana Paula Costa, Erica Soares e Tássia
Brandão. Turma 201).
Aqui nessa resposta
podemos trabalhar as relações sociais a partir de uma sociedade escravagista e
descontruir a ideia de um escravo africano passivo a tal sociedade reconstruindo
a história de nossos ancestrais como agentes históricos e participante ativo de
uma sociedade, capaz não só de resistir ao sistema imposto, mas também de
negociar sua vivência dentro dele, não sendo mais “predisposto” ao cativeiro,
comparado ao nativo, mas dando explicações reais relacionadas às suas
semelhanças a herança cultural com tradições europeias, que o valorizavam na
economia mercantilista.
A visita ao MHAM, associada
ao ensino da história local, proporciona ao aluno a sua inserção na comunidade
da qual faz parte, criando sua própria historicidade e identidade,
possibilitando analisar as relações de poder construídas dentro das próprias
relações sociais, de modo a favorecer as particularidades.
Ao se trabalhar com a
linguagem museológica no ensino de História, se desperta mais a atenção dos
alunos, pois estas ferramentas dinamizam o processo de construção do
conhecimento histórico, fazendo que tanto os alunos como o professor dialoguem,
sobre o objeto de estudo, no caso a fonte histórica museal.
Nessa perspectiva, a
relação entre museu, escola e História parte da concepção de que se faz
necessário que a investigação, a restauração e a reconstrução da História e da
cultura “guardada” no mesmo, não tenham por finalidade central, de acordo com
Canclini (1997), almejar a autencidade ou restabelecê-la, mas reconstruir a
verossimilhança histórica e estabelecer bases comuns para uma reelaboração, de
acordo com as necessidades do presente.
Questões como sociedade
patriarcal, escravidão, mulher, sexualidade, cultura, educação, saúde, etc.,
podem ser tratadas e trabalhadas de forma inovadora, a partir de uma visita ao
museu. Trabalhar os questionamentos dos alunos do Centro
de Ensino Liceu Maranhense, acerca de suas interpretações sobre casamento,
comportamentos sociais, mulher, escravidão, sexualidade, dentre outros, passa
pela apropriação do historiador diante das metodologias e reinterpretações que
a Nova História pontua.
Para Ângela Rodrigues, Bruna Moura, Fabíola Frazão (1º questão),
alunas do Centro de Ensino Liceu Maranhense turno matutino turma 201, a
importância do museu é dar acesso à história passada para as novas gerações, o
que é importante, pois as mudanças bruscas de cultura causadas pela
globalização podem gerar uma grande perda de conhecimentos, costumes e
tradições.
Percebemos nas
respostas das alunas e na prática pedagógica aqui apresentada questões
relevantes sobre os elementos que organizam a base da subjetividade e da
experiência do aluno, forma de construir a identidade social na dimensão
histórica a partir do conhecimento do papel do indivíduo como sujeito histórico,
produtor do conhecimento e protagonista. Reconhece-se, assim, a importância do
patrimônio cultural como aspecto fundamental para a análise e reflexão sobre a
pluralidade cultural brasileira e maranhense, nas matrizes nacional, regional e
local.
Dessa forma, mediar o senso crítico, o pensamento de
observação e de pesquisa, a imaginação, a capacidade de relacionar e classificar,
a leitura e a análise de textos e de imagens (novas linguagens) são
procedimentos que contribuem para a aprendizagem extracurricular e, sobretudo,
para a construção da consciência histórica.
A visitação a museus, mediada
pelo professor, segundo Cainelli (2004), pode dinamizar as aulas, tornando-as
mais vivas, interessantes e vinculadas com a realidade atual. A visita ao MHAM
procurou relacionar discussões teóricas e metodológicas e a análise das fontes,
ou dos relatos dos visitantes, em sala de aula. Contribuiu, nesse sentido, para
uma Educação Histórica centrada na produção de conhecimentos, e que rompe com
as ideias de representação e recepção da cultura. A construção de uma crítica
pelo próprio aluno e a sua aproximação com o contexto histórico abordado, em um
processo de desenvolvimento da Consciência Histórica.
Por fim, cabe lembrar que o museu é espaço
democrático e de construção de conhecimento. No entanto, o seu surgimento é
atrelado, segundo Canclini (1997), ao patrimônio, sede cerimonial, o lugar onde
é guardada uma história, onde se reproduz uma sociedade em que os grupos
hegemônicos se organizaram, e vivenciaram uma determinada época, sobretudo
passível de reinterpretações. Para o ensino de História nos dias atuais, é uma ferramenta importantíssima,
que proporciona visibilidade ao saber histórico, e a possibilidade de
valorização da diversidade cultural no contexto escolar, com um pluralismo que
dialogue com as novas linguagens contemporâneas.
Assim, entendemos que essa experiência pedagógica se
insere nas práticas docentes relacionadas à diversidade cultural e, nesse
sentido, constitui um aspecto importante no processo de ensino-aprendizagem
no âmbito da História. Segundo os PCNs História (BRASIL,1999, p. 14), a escola
tem a possibilidade de trabalhar a questão da diversidade cultural e das novas
linguagens. Uma pesquisa de campo dessa natureza concretiza essa possibilidade
de forma que os alunos compreendam que o tema tratado está entrelaçado também
com o contexto histórico, sendo o museu um espaço sociocultural responsável
pela construção e reconstrução do conhecimento e da cultura.
[1] As relações de casamento, no Brasil durante o século
XIX, representaram um sistema baseado na regulamentação da ordem social e
política, de função procriadora, de relações de apadrinhamento, de atos
permitidos ou proibidos, e modelo austero de espaço sexual ao tempo (dias
santos, domingos, quaresma, gravidez, menstruação, etc.) (VAINFAS, 1992).
[2]
Localizado
no bairro da Praia Grande, é um espaço cultural destinado a preservação da
memória afro no Maranhão. Neste espaço museológico encontram-se instrumentos do
período da escravidão, objetos da cultura afro-maranhense, sobretudo do
tambor-de-mina (indumentária, acessórios de indumentária e instrumentos
musicais utilizados nos rituais religiosos da Casa das Minas, Casa de Nagô e
outros terreiros do Maranhão), e uma valiosa coleção de arte africana
proveniente de diversas regiões e etnia da África, a exemplo de grupos
culturais como Bambara, Dogon, Senufo e outros. REFERÊNCIAS
BIBLIOGRAFICAS
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terceiro e quarto ciclos. Brasília: MEC/SEF, 1997.
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entrar e sair da modernidade São Paulo Editora EDUSP 1997.
HALL, Stuart. Identidade
cultural na pós-modernidade. São Paulo: DP&, 2007.
MORAN, Jose
Manoel. A educação que desejamos: novos desafios para chegar lá. São Paulo:
Papirus, 2008.
SCHIMIDT, Maria Auxiliadora; CAINELLI,
Marlene. Ensinar História. São
Paulo: Scipione, 2004.
VAINFAS,
Ronaldo. Trópico dos Pecados: moral sexualidade e inquisição no
Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
GIROUX, Henry. Os
professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da
aprendizagem. Tradução de Daniel Bueno. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
PERRENOUD, Philippe. 10
novas competências para ensinar.
Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.
SILVA, Tomaz
Tadeu da. Documento de identidade:
uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
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