sábado, 31 de março de 2018

A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE SEXUALIDADE DENTRO DA INFANCIA


Na história da infância observa-se que a concepção de criança tem mudado ao longo dos tempos, de acordo com a organização das sociedades. A criança não representava, ainda, uma subjetividade social nas sociedades pré-industriais, pois era vista como adulto em miniatura, que necessitava apenas de uma educação disciplinadora.
Na Idade Média, os adultos tinham outras formas de se relacionar com as crianças. Sabe-se que o trabalho infantil (sobretudo a partir dos sete anos de idade) era encarado com naturalidade. Não havia preocupação em proteger a criança dos "segredos adultos": falava-se de sexo, e quiçá fazia-se sexo, na presença de crianças - como sugere Ticiano no quadro Bacanal de las Andrians (1518-1519), onde o pintor retrata uma criança, aparentando dois anos de idade, no meio de adultos nus se tocando com luxúria.
A arquitetura medieval, inclusive dos palácios e castelos aristocráticos, revela um ambiente onde não há lugar para a privacidade: os cômodos eram interligados entre si, e as famílias, compostas por muitos membros - avós, tios, primos, agregados.
Adultos e crianças medievais compartilhavam não só dos mesmos ambientes sociais, mas também de um mesmo ambiente informacional, de um mesmo não saber: eram ambos analfabetos, já que a leitura era um privilégio restrito ao clero. Escolas eram raras ou inexistentes. Numa cultura da oralidade, não havia espaço para uma divisão nítida entre infância e idade adulta. Os valores e costumes sociais eram apreendidos pelos pequenos diretamente, a partir do contato com os adultos, que não demonstravam grandes preocupações acerca da educação infantil.
A criação moderna da prensa tipográfica, associada à alfabetização socializada, veio mudar este quadro. Passou-se a imprimir e publicar diversos livros, contendo saberes que se colocavam à disposição de quem soubesse ler. Desta forma, surgiu um parâmetro claro e objetivo para diferenciar adultos e crianças: os primeiros seriam aqueles que sabem ler e escrever; as últimas, aquelas que deveriam passar por um processo gradual e lento, até adquirirem este saber. A função da escola, neste momento, ganhou uma fundamental importância: à escolarização se atribuiu a tarefa de ensinar às crianças a via de acesso aos saberes que circulavam no mundo adulto (a alfabetização) e, simultaneamente, prepará-las para este mundo através da disciplinarização.
Essa revisão histórica da civilização ocidental nos obriga a concluir que as formas de se conceber a infância variam, de tempo em tempo, de sociedade a sociedade. Muito além do fator biológico, que aponta para características anatômicas e fisiológicas específicas às crianças, cada contexto cultural é capaz de criar uma maneira particular de concepção de criança, no sentido que as formas de se relacionar com ela, e o próprio papel dela na sociedade, resultam de uma complexa rede de valores e regras predominantes nesta sociedade.
Na modernidade, a ascensão sócio-econômica da burguesia trouxe valores diferentes dos medievais, e um novo modelo de organização familiar. Modelo este que costuma ser chamado de família burguesa ou família nuclear - restrito ao núcleo pai-mãe-filho(s). Nesta família, mãe e pai ganharam funções muito bem definidas. A ela, caberia o cuidado com a casa, o marido e os filhos (atuando no espaço privado do lar); a ele, caberia o sustento da família através do trabalho remunerado (atuando no espaço público). Aos dois, caberia a obrigação de amar e educar seus filhos, investindo neles uma perspectiva de futuro, de progresso, condizente à conjuntura histórica da época.
Este modelo familiar, hoje, parece estar em crise. É crescente o número de casais separados ou divorciados, madrastas e padrastos, ou mães e pais que criam seus filhos sem a ajuda de um cônjuge. A mulher, não mais confinada às atividades domésticas, conquista um espaço cada vez maior no mercado de trabalho - e, não raro, culpa-se por não dedicar aos filhos a atenção que julga dever dedicar.
Nas últimas décadas, as transformações tecnológicas têm engendrado mudanças sociais e psicológicas, configurando-se como um dos principais vetores de subjetivação da contemporaneidade. Os meios de comunicação ensinam às pessoas novas formas de agir e pensar. E as crianças, obviamente, não se excluem deste processo.
Verifica-se que a concepção histórica de criança é resultado da intervenção humana, portanto não é natural, imutável, nem eterna. A criança é contextualizada culturalmente, inserida numa sociedade concreta e definida historicamente, construindo dialeticamente a sua identidade social e grupal.
Precisa ser respeitada e valorizada enquanto sujeito de direitos em direção a conquista de sua autonomia e senso crítico e criativo. A concepção de infância mudou com o passar do tempo, e hoje temos uma Legislação que reconhece a criança como sujeito de direitos. Para fazer valer a lei faz-se necessário e indispensável a atuação da sociedade civil organizada, o empenho do poder público e a luta pela garantia dos direitos da criança, nas mais diversas instâncias, em direção à conquista de uma sociedade mais igualitária e mais justa.
Assim, propõem-se que a orientação sexual oferecida pela escola aborde as repercussões de todas as mensagens transmitidas pela mídia, pela família e pela sociedade, com as crianças e os jovens. Trata-se de preencher lacunas nas informações que a criança já possui e principalmente, criar possibilidade de forma opinião a respeito do que lhe é ou foi apresentado. A escola, ao propiciar informações atualizadas do ponto de vista científico e explicar os diversos valores  associados à sexualidade e aos comportamentos sexuais existentes na sociedade, possibilita ao aluno desenvolver atitudes coerentes com os valores que ele próprio elegeu como seus.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

O Projeto Quilombo: uma forma de resistência negra

O Projeto Quilombo foi pensado em 2014 por três professoras do Liceu Maranhense, sendo duas professoras da disciplina História, a profess...